É sempre motivo de preocupação quando nas redes sociais são compartilhadas fotos de crianças ou adolescentes desaparecidos. Ao mesmo tempo, causa estranheza e até indignação quando estes jovens são encontrados e o caso não é explicado com a mesma divulgação. Afinal, o que aconteceu? Segundo a Polícia Civil, todos os casos recentes em Caxias do Sul foram de fugas e não envolveram nenhum tipo de crime ou violência. Por isso que, passado o susto inicial, as famílias optam pela discrição.
A Delegacia de Proteção a Criança e Adolescente (DPCA) fez, entre janeiro e maio deste ano, 36 registros de menores de idade desaparecidos. A média de sete casos por mês é considerada normal dentro do histórico da maior cidade da Serra, afinal este é um problema crônico.
— Geralmente são casos desta natureza, de adolescentes que fogem de casa para ir na casa de um amigo, de um conhecido, de alguém com quem está se relacionando ou até outro familiar. Os motivos são diversos, mas tem princípio em algum tipo de atrito com os pais ou responsável. Via de regra é para fazer alguma coisa típica de adolescente, uma saída para se divertir, que não foi autorizada ou comunicada para a família — relata a delegada Thalita Andrich, que há 18 meses está a frente da DPCA em Caxias do Sul.
Esta análise dos casos é semelhante a feita por especialistas em comportamento de jovens. Para a psicóloga infanto-juvenil Nadaby Pites, os casos atuais tem mais repercussão graças a facilidade de comunicação das redes sociais.
— Sempre existiram as fugas, só que hoje temos a tecnologia e ficamos sabendo mais sobre elas. E o motivo também é o mesmo: a falta de diálogo. Na adolescência, o jovem fica mais crítico, perde aquele olhar de que os pais são super-heróis e começa a verbalizar algumas questões. A maioria das famílias não sabem lidar com isso. Os jovens percebem que os pais também são pessoas com defeitos, as divergências ocorrem e ele se afasta do convívio — explica.
Apesar deste perfil comum, a Polícia Civil ressalta que trabalha todos os casos com prioridade para evitar o pior. Por isso, a importância de que a família registre o desaparecimento o quanto antes.
— É preciso ser registrado e ser tratado como desaparecimento. Mesmo que muitos casos aparentem ser uma fuga, é preciso essa seriedade. Fazemos contatos com quem possa saber para onde esse jovem foi e fazemos as buscas até localizar. Se ao encontrar o jovem, descobrirmos algum crime conexo, é aberto o inquérito para apurar este crime. Se foi apenas uma fuga por questões familiares, a parte policial encerra ali — explica a delegada Thalita.
A chefe da DPCA reforça que, nestes seus 18 meses de atuação, ainda não se deparou com nenhum caso de sequestro ou de violência contra um desaparecido. Apesar de não ter uma estatística, a delegada afirma que a maioria dos casos envolvem adolescentes, sendo exceção casos em que menores de 12 anos desaparecem.
O último caso de repercussão de desaparecimento de criança na cidade foi o de Naira Soares Gomes, de sete anos, em março de 2018. Em dezembro de 2020, o réu confesso Juliano Vieira Pimenteç de Souza foi condenado a 36 anos e seis meses de prisão por raptar, estuprar e matar a estudante. Ele continua recolhido no sistema penitenciário.
"Estamos desvalorizando a verdade"
Mais do que a questão policial, estes desaparecimentos em Caxias do Sul apontam para questões sociais. A psicóloga Nadaby Pites salienta a questão da falta de comunicação familiar como principal problema.
— Se usa muito a questão de colocar limite por medo, e, por isso, o adolescente acaba não falando, acaba escondendo coisas da família, justamente por medo de represália. É o tal "se tu aprontar vai ficar de castigo, vai perder tal coisa". Assim, o jovem nunca irá contar o que fez de errado com medo da punição. Estamos desvalorizando a verdade e o adolescente aprende a mentir e esconder certas coisas com medo da punição.
A especialista em comportamento orienta que a postura dos pais não deve ser de deixar o adolescente fazer o que quiser, mas, sim, de demonstrar que a possibilidade de diálogo está sempre aberta. Ela compara com a terapia, onde o paciente se sente a vontade para falar a partir do momento em que entende que não será julgado.
— É preciso incentivar o diálogo. "Tu pode fazer algo horrível, mas continuarei a ser seu pai e a te amar". É acolher e entender o contexto. Ninguém gosta de punição, mas o nosso mundo é muito punitivo. Precisamos deixar de lado essa rigidez de autoridade e buscar formas de dialogar com o filho. Se não está conseguindo, procure a ajuda de um profissional, alguém que não esteja de lado nenhum, apenas buscando o melhor para ambos, para a harmonia — ressalta.
A falta de comunicação familiar é apontada como causa de os pais não saberem o que o filho está fazendo, quem são seus amigos, o nome dos seus professores. Sem este vínculo de confiança, o jovem se torna mais crítico e começa a ter autonomia ao mesmo tempo que questiona os familiares. A fuga é um sintoma.
A psicóloga aponta que este diálogo deve começar desde pequeno. Até porque, a adolescência e o processo de maturidade não tem uma idade certa, dependendo de questões hormonais e contexto onde se vive.
— O que vemos é que, quando há falta de diálogo na adolescência, é que sempre teve falta de diálogo. É preciso brincar e conversar com as crianças, desde cedo. E isso se manterá. Sim, a criança irá mudar na adolescência. Todos mudamos, passamos por isso, é natural. Os pais tem que entender que os filhos começam a ter autonomia e ter confiança na educação que deram — conclui Nadaby.
O que fazer em caso de desaparecimento
- A delegada Thalita explica que ao perceberem o desaparecimento dos filhos, os pais devem procurar a Delegacia de Polícia para registrar o caso imediatamente.
- É recomendável que os pais mantenham um banco de contatos que possam acionar em caso de desaparecimento dos filhos, como amigos, pais desses amigos, colegas e familiares.
- Postar ou não nas redes sociais? Bom, para isso, não existe uma regra legalmente definida. A decisão é baseada no que a família pensa ser mais adequado.
Fonte: GZH