Quarenta e dois anos depois de desembarcar sozinho em Porto Alegre, sem ter onde dormir e com poucos trocados no bolso, o goiano de Piracanjuba Sebastião Melo (MDB) foi eleito neste domingo (29) para governar a Capital gaúcha pelos próximos quatro anos.
A confirmação da vitória pôs fim à pilha de nervos que atormentava os aliados do emedebista, diante de um segundo turno que se tornou acirradíssimo por conta do crescimento da adversária Manuela D’Ávila (PCdoB), sobretudo na reta final, fato que levou emedebistas a temerem uma virada.
Com 97,91% das seções apuradas, Melo foi eleito com 54,58% dos votos válidos, contra 45,42% da concorrente. Nesta segunda-feira (30), ele pretende dar a largada no processo de transição com o prefeito Nelson Marchezan (PSDB). Depois de José Fogaça, que renunciou ao cargo em 2010 para concorrer a governador do Estado, o MDB volta a comandar a cidade a partir do histórico prédio da prefeitura, localizado na Praça Montevidéu.
O emedebista já anunciou que, tão logo assumir o cargo em 1º de janeiro de 2021, suas primeiras medidas serão dedicadas ao setor econômico, com o cancelamento dos aumentos do IPTU e o lançamento de um programa de microcrédito para incentivar a abertura e manutenção de negócios em meio aos efeitos da pandemia.
A campanha, que teve momentos tensos e trocas de acusações na reta final do segundo turno, ficou marcada por um arriscado jogo de xadrez praticado por Melo nos bastidores. Não foram poucas as sacadas ousadas e os reposicionamentos políticos, mas a destreza no movimento das peças permitiu o xeque-mate.
A mais notória das tacadas foi na formação da aliança. Em 2016, Melo perdeu o segundo turno para Marchezan tendo postura de candidato de centro, quiçá centro-esquerda, com a pedetista Juliana Brizola na posição de sua vice. O pragmatismo e a ambição de chegar à prefeitura prevaleceram em 2020.
Neste ano, o eleitorado esquerdista já estava dominado pelas candidaturas de Manuela, cuja força no pleito mostra a retomada do vigor deste campo, de Juliana Brizola (PDT) e de Fernanda Melchionna (PSOL). Em tempos de polarização, o centrismo não se mostrava um caminho viável. Tomar lado era preciso. Ao perceber que o bolsonarismo não tinha um candidato natural em Porto Alegre, Melo usou sua conhecida habilidade de aglutinador político para fechar ampla aliança com a direita porto-alegrense. Levou o apoio de parlamentares bolsonaristas, como Bibo Nunes, Ubiratan Sanderson e Luciano Zucco, todos do PSL, dos militaristas e também dos liberais.
O emedebista construiu na sua trajetória um predominante perfil popular, de votação em periferias, calcado no carisma de um homem simples, com cara de povo. Mas, com a aliança da hora, virou também o candidato dominante do Moinhos de Vento, do Parcão, da Bela Vista e da Praça da Encol, redutos da elite econômica. Ingressou em ramos da classe média-alta e adotou discurso repaginado, como a defesa convicta das parcerias público-privadas e das privatizações, o que ele não tinha feito em 2016. Melo surfou na onda do antipetismo e do antiesquerdismo, mesmo que esses sentimentos já não tenham a mesma intensidade que tiveram em 2018.
O emedebista, agora prefeito eleito, também apresentou posição mais flexível em relação à pandemia, assegurando que não fechará a economia da cidade em caso de recrudescimento ainda maior do coronavírus. O comprometimento com a aliança foi tamanho que um dos assessores do agora prefeito eleito chegou a ler livros do filósofo Olavo de Carvalho, guru do bolsonarismo, em uma tentativa de compreender melhor os pensamentos dos novos parceiros de palanque.
É como se o ônibus da viação Penha, que trouxe Melo para Porto Alegre em fevereiro de 1978, tivesse dado um cavalo de pau à direita, com o solavanco da manobra lançando o emedebista à cadeira de prefeito. Detalhes da vitória que se tornam indeléveis em sua biografia.
Ainda que o MDB negue autoria, a segunda jogada ousada se refere aos fatos que levaram à renúncia de José Fortunati (PTB). O petebista, que havia sido prefeito entre 2013 e 2016, tendo Melo como vice, tinha uma candidatura competitiva e disputava eleitorados semelhantes ao do emedebista. Havia uma luta palmo a palmo pela vaga no segundo turno, até que o Tribunal Regional Eleitoral (TRE), na semana da votação em primeiro turno, impugnou a candidatura do vice de Fortunati, André Cecchini (Patriota). Quem moveu a ação foi um candidato a vereador do PRTB, sigla aliada de Melo. Não havia mais tempo legal para substituir o vice, e Fortunati, encurralado e ameaçado de ter os votos anulados, teve de renunciar. O PTB, de imediato, passou a apoiar Melo. Fortunati, logo a seguir, obedeceu ao partido e fez o mesmo. Foi um lance fundamental para a arrancada que fez Melo findar o primeiro turno na liderança, à frente de Manuela, que vinha liderando as pesquisas naquela etapa.
O sucesso de Melo também é uma redenção pessoal. A derrota para Marchezan em 2016 deixou profundas marcas no político. Não só por ter perdido, mas também pelo drama da morte do amigo e assessor Plínio Zalewski durante aquele eleição. Zalewski era um intelectual que trabalha havia anos com Melo. A relação entre ambos era mais do que profissional, até o dia em que Zalewski foi encontrado esfaqueado, ensanguentado e com um bilhete na mão no banheiro do diretório do MDB. Um suicídio brutal.
— O Plínio foi a maior de todas as dores, mais do que a da derrota. Ficamos sem entender até hoje. Para o Melo, foi horrível. Imagina encontrar o teu parceiro caído num banheiro, todo esfaqueado. Manter aquela campanha depois da morte foi horrível. E ainda acabamos perdendo a eleição — recorda a publicitária Valéria Leopoldino, esposa de Melo.
O calejado emedebista superou o episódio, voltou a advogar em 2017 — tempo em que Valéria diz ter sido difícil “pagar as contas” — e conquistou uma cadeira de deputado estadual em 2018. Ao final de dezembro, ele deixará a Assembleia Legislativa para assumir a prefeitura. Será tempo de conferir se Melo conseguirá fazer aquilo que repetiu à exaustão na campanha: “Retribuir em dobro tudo que Porto Alegre me deu”.
Fonte: GZH